segunda-feira, 12 de maio de 2008

Maio




"Tu não estás como Vitória à proa


Nem abres no extremo do promontório as tuas asas


Nem caminhas descalça nos teus pátios quadrados e caiados


Nem desdobras o teu manto na escultura do vento


Nem ofereces o teu ombro à seta da luz pura




Mas no extremo do promontório


Em tua pequena capela rouca de silêncio


Imóvel muda inclinas sobre a prece


O teu rosto feito de madeira e pintado como um barco




O reino dos antigos deuses não resgatou a morte


E buscamos um deus que vença connosco a nossa morte


É por isso que tu estás em prece até ao fim do mundo


Pois sabes que nós caminhamos nos cadafalsos do tempo




Tu sabes que para nós existe sempre


O instante em que se quebra a aliança do homem com as coisas


Os deuses de mármore afundam-se no mar


Homens e barcos pressentem o naufráugio




E por isso não caminhas cá fora com o vento


No grande espaço liso da luz branca


Nem habitas no centro da exaltação marinha


O antigo círculo dos deuses deslumbrados




Mas rodeada pela cal dos pátios e muros


Assaltada pelo clamor do mar e a veemência do vento


Inclinas o teu rosto




Imóvel muda atenta como antena"




Sophia de Mello Breyner Andresen

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