sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Hás-de me dizer...


Notícia do "Publico" - 16 de Maio de 2002



"Assinado em Maio de 1994


Gestão PSD pagou "acordo milionário" a Moniz


Por João Pedro Henriques, Ana Sá Lopes

A administração da RTP nomeada pelo último governo PSD fez um acordo com José Eduardo Moniz, após a cessação do contrato de trabalho que ligava o ex-director da televisão pública desde 1977, que se traduziu naquilo a que hoje o ministro Morais Sarmento, poderia chamar "contratos milionários": tratava-se de um contrato para produzir um mínimo de 60 horas de programação por ano, um contrato de exclusividade pessoal e colaborações remuneradas autonomamente.

Logo na cláusula primeira do contrato assinado em 10 de Maio de 1994, a que o PÚBLICO teve acesso, "a RTP compromete-se, desde que salvaguardados os adequados padrões de qualidade, a encomendar programas para televisão ao 2º outorgante [José Eduardo Moniz], num mínimo de 60 (sessenta horas/ano), a preços correntes no mercado e cujo crescimento não deverá ser superior a 50 por cento da evolução da taxa de inflação". O acordo não especifica a MMM, mas diz que "a produção dos programas encomendados caberá ao 2º outorgante ou a empresa do sector, na qual o 2º outorgante tenha, no mínimo, a responsabilidade de produção". Ali se estabelece que "o pagamento do preço será efectuado, o mais tardar, no prazo de 30 dias após a emissão de cada programa, sem prejuízo de esquemas de pagamento fraccionado, à medida da execução dos trabalhos, quando a natureza dos programas, atentas as práticas correntes no mercado, o imponha".


O contrato de exclusividade obriga a RTP a pagar a Moniz, "a título de contrapartida do exclusivo da sua disponibilidade" a quantia de 870 mil escudos mensais durante o primeiro ano de vigência do contrato e "em cada um dos anos seguintes, a importância mensal devida ao ano imediatamente anterior, acrescida de 10 por cento". Para além do pagamento da exclusividade, "a RTP compromete-se, ainda, a garantir" a José Eduardo Moniz "a sua intervenção, designadamente como coordenador, apresentador ou autor, em um mínimo de 26 programas anuais, durante toda a vigência do contrato". Estas colaborações, como estipula o texto assinado a 9 de Maio de 1994, têm remunerações autónomas "de acordo com os valores praticados no mercado, tendo em conta a natureza e periodicidade dos programas e, no mínimo, na base de 550 mil escudos por programa, no 1º ano de vigência do contrato e, nos anos seguintes, da quantia correspondente ao valor mínimo imediatamente anterior, acrescido de 10 por cento".


Estas remunerações seriam pagas, segundo o contrato, oito dias após a emissão de cada programa. Na mesma altura em que assinou o contrato com a RTP (9 de Maio de 1994) há um documento assinado pelo Conselho de Administração a confirmar ter recebido por parte da empresa a quantia de cinco mil contos para efeitos de "pagamentos confidenciais". Terá sido uma quantia anexa ao acordo com que José Eduardo Moniz, actual director da TVI, cessou o seu contrato de trabalho com a televisão do Estado. Depois destes contratos, a RTP não poderia dispensar os serviços de Moniz. Aliás, o governo PS desejou fazê-lo, mas o contrato previa naturalmente uma indemnização, caso fosse denunciado pela RTP nos três anos de vigência do acordo, que a nova administração não se arriscou a pagar. 1,2 milhões de contos.


O contrato de produção de programas obrigava a empresa em que José Eduardo Moniz "tenha, no mínimo, a responsabilidade da produção" a "manter padrões de qualidade adequados ao prestígio da RTP". Entre 1993 e 1998, a MMM facturou cerca de 1,2 milhões de contos fornecendo séries (sobretudo "sitcoms") e programas à RTP. Providenciou o "86-60-86" de Sofia Aparício (510 mil contos), "A mulher do sr. ministro" (390 mil contos), "Tudo ao molho e fé em Deus" (52 mil contos), "Queridas e Maduras" (98,8 mil contos) e "Débora" (169 mil contos), entre outros.


Em 1994, Moniz vendeu a sua quota na produtora para que a sua mulher, Manuela Moura Guedes, eleita então deputada pelo CDS/PP, não visse o seu mandato declarado incompatível (os deputados não podem ter contratos com o Estado nem directa nem indirectamente, através de familiares directos, como era o caso). Quando Manuela Moura Guedes deixou o Parlamento (em ruptura com Manuel Monteiro), Moniz voltou a readquirir a quota. Em Setembro de 1998 voltou a vendê-la, dado o contrato de exclusividade que assinou com a TVI, na altura dominada pelo consórcio Sonae/Lusomundo/Venevision. Carlos Noivo, antigo quadro da RTP, tornou-se então o único proprietário da produtora."

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"Expresso" - 27 de Agosto de 2005


Mário Crespo nasceu em Coimbra. O pai, funcionário do Banco Nacional Ultramarino, e a mãe, professora na Escola Comercial, mudaram-se para Lourenço Marques ainda o seu único filho era bebé de colo. Mário fez todo o liceu na capital moçambicana e só quando a vida académica surgia à sua frente se mudou para a metrópole. Aluno interno no Colégio Pio XII, hesitava entre Medicina e Engenharia, até que foi alistado no Serviço Militar Obrigatório. «O que até acabou por ser melhor, porque não me decidia. Pedi transferência para Moçambique e, como tenho muita sorte, acabei no gabinete de imprensa de Kaúlza de Arriaga, o comandante chefe das Forças Armadas em Moçambique.»


As hesitações acabaram. Em Abril de 1974, acabado de sair da tropa, encontrou emprego em Joanesburgo, como estagiário da rádio da South African Broadcasting Corporation (SABC). Um par de anos depois, a televisão foi inaugurada na África do Sul e o pessoal da redacção da rádio era chamado a fazer uns biscates no ecrã. Mas, em 1982, a África do Sul do «apartheid» tornou-se claustrofóbica. «Chegou a haver edições da ‘Newsweek’ censuradas. E a sociedade era muito calvinista». Havia uma vaga na Voz da América, em Washington, mas profissionalmente pouco entusiasmante. Crespo sondou a RTP. Também estavam a abrir vagas. Quando chegou à redacção da televisão pública, Mário integrou-se imediatamente. «Éramos muito próximos. Fiquei amigo do José Eduardo Moniz, da Manuela Moura Guedes, do Sousa Tavares, de toda a gente. O ambiente era óptimo, de uma camaradagem que se estendia para fora da redacção».


(…)De regresso à RTP, já não para a 2, mas para o «Jornal de Sábado» na RTP 1, ficou «sob a protecção e tutela do José Eduardo Moniz». (...) O segundo regresso à RTP, depois de Washington, seria, no entanto, bem mais amargo. A visita do então primeiro-ministro António Guterres aos Estados Unidos foi o seu último trabalho como correspondente. Logo a seguir chegou a ordem da administração da RTP para voltar imediatamente a Lisboa. A família - com dois filhos de 10 e 13 anos «perfeitamente integrados nas escolas» - fez as malas e despediu-se da vida na América num ápice. «Foi muito traumático para eles», lamenta. A única filha, com mais de 18 anos, já matriculada em Direito, na Universidade Clássica, não sentiu o abalo.


Em Lisboa, Mário e a administração entraram num período de litígio. «Puseram-me vários processos disciplinares. Um deles, que acabaria por ser retirado, foi por ter escrito um artigo em que dizia o que devia ser a televisão pública e outro por ter telefonado para o ‘Fórum’ da TSF a dizer que o dr. Soares não devia ter um programa de entrevistas na RTP quando era candidato às eleições europeias». (…)Arons de Carvalho, o então secretário de Estado com a tutela da Comunicação Social e actual deputado socialista, visado directamente pelas críticas, recusou sempre publicamente a ideia de que o jornalista tivesse sido vítima de censura. Diz, apenas, laconicamente: "O que poderia dizer do Mário Crespo é tão desagradável que prefiro ficar calado". (..)


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Notícia em vários órgãos de Comunicação Social - 1 de Fevereiro de 2010


"Mário Crespo diz ter sido «ameaçado» por José Sócrates"


Foi durante um almoço, na última terça-feira, antes da apresentação do Orçamento de Estado, que Mário Crespo surge numa conversa entre Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e um «executivo da televisão».


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Notícia jornal "I" - 4 de Fevereiro de 2010


"Francisco Pinto Balsemão, Paulo Portas e Mário Crespo receberam o convite de Manuela Moura Guedes e aceitaram ser testemunhas no processo-crime da jornalista da TVI contra o primeiro-ministro, José Sócrates. Moura Guedes explica ao i as razões que a levaram a convidar Pinto Balsemão e Paulo Portas: "Foram os dois jornalistas e políticos, e em ambas as condições sempre respeitaram a liberdade de informação." E acrescenta: "Francisco Pinto Balsemão é o melhor patrão da comunicação social. Fossem todos como ele e Portugal seria diferente de certeza. Veja-se agora o caso que envolveu Mário Crespo."


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"Quando eu nascer para a semana ó mana,


quando eu nascer para a semana


hei-de ouvir o teu parecer


hás-de me dizer


se é cada coisa para seu lado


ou se isto anda tudo ligado"



Sérgio Godinho



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