Há uma determinada elite nacional que nunca se resignou às profundas mudanças que o 25 de Abril introduziu no nosso País. Calaram, camuflaram, disfarçaram - mas bem no seu íntimo jamais aceitaram.
Não aceitaram que as classes mais pobres se transformassem em classes médias. Não aceitaram que essas mesmas classes médias enviássem os seus filhos para as Universidades. Não aceitaram que gozassem férias, comprassem carros, viajassem para o exterior, adquirissem casa própria. Não aceitaram que aquilo que estava restrito a uma minoria se vulgarizasse.
Ao longo de anos assistiram a tudo isso com um esgar mal disfarçado de real incómodo - e já que a situação era inevitável, trataram de poder explorá-la na medida do possível. Abriram a torneira do crédito. Deixaram que aqueles que nunca tinha tido nada gozassem o prazer de se acharem donos de alguma coisa, quando realmente nem das suas vidas eram. Ganharam rios de dinheiro na construção civil, no turismo, no ensino privado. Transformaram salários fixos em remunerações variáveis, como promoção do "mérito" e do "esforço". Como o dinheiro não tem classe nem côr estenderam a mão para o receber, em juros e pagamentos, da mesma classe média a quem, lá no fundo, sempre desprezaram olimpicamente.
Até que o momento surgiu com o rebentar da "bolha especulativa". A "crise" (apesar de incómoda numa fase inicial) cedo se transformou na ocasião de ouro para apresentar a "factura" a quem julgava que a vida decorreria com normalidade. Em "crise" as regras caem, os acordos cessam, os contratos caducam - afinal...é a "crise". Banqueiros, grandes especuladores, grandes empresários, organizações mundiais como o FMI e quejandos, Governos de Direita, partidos de Direita ansiando ganhar eleições - de todos os lados se percebeu que a ocasião era "agora". Caído o Muro de Berlim o Mundo deixara de ter um real contraponto ao neo-liberalismo feroz. As ideologias foram sendo gradualmente vendidas como "ultrapassadas" e coisa de velhos ou de fanáticos. A maçã estava madura para reverter séculos de evolução nos direitos, nas regalias, nas regras relativas ao Trabalho e aos trabalhadores. Quem poderia agora opor-se se a "Crise" estava aí e o Medo era arma letal? Quem poderia impedir que se rasgassem acordos de trabalho? Quem se atreveria a reivindicar direitos num Mundo onde a fome e a miséria rondam?... Nivelar por baixo - palavra de ordem.
É neste "caldo" que boiam as declarações das Jonets e dos Ulrichs deste burgo. Não são meras declarações desenquadradas ou distraídas: são verdadeiros estados de alma de quem, no seu íntimo, sempre achou que se estava a "ir longe demais" num Mundo em que ricos e remediados se podiam cruzar nas mesmas lojas ou viver no mesmo bairro. A "ordem natural" das coisas estava, desde há muito, a ser colocada em causa. Em vez de trabalho bem pago - caridade bem gerida. Em vez de dignidade, direitos e respeito pelo desempenho - precariedade, fragilidade de laços, flexibilidade total. Em suma: dependência total do "Dono".
Há uma contra-revolução a vapor por toda a Europa, de uma dimensão inaudita. E, por cá, há quem ande a acertar contas com a descolonização, com a instauração da Democracia, com a livre expressão, com a contratação colectiva, com os direitos no Trabalho, etc. Não sei se tudo isto se resolve com cânticos ou com cravos - mas sei que, caso não se resolva, será o fim de uma era de paz, prosperidade e desenvolvimento em todo um Continente.
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