Numa interessante crónica de António Perez Metelo, publicada no DN de ontem, pode ler-se o seguinte:
“O PSD, com uma boa dúzia de ex-ministros da sua área política, de líderes patronais e formadores da opinião publicada, preconiza um corte drástico na despesa, quanto antes, como a redução de salários dos funcionários públicos e demais despesas correntes, para acelerar a queda do défice e da dívida e ganhar nova credibilidade internacional.
O Governo e o PS querem fazer os cortes na despesa q.b., disseminando os sacrifícios, para evitar nova recessão e dar tempo às empresas exportadoras para puxarem por um crescimento económico forte e sustentado.”
De forma sintética, parece-me estar aqui bem expressa a “fronteira” que, neste momento, divide PS e PSD de um eventual acordo sobre o Orçamento. O PSD coloca a tónica na redução da despesa a qualquer preço e recusa qualquer aumento de impostos – quando todos sabemos, por exemplo, que uma das medidas que o FMI impôs ao Governo grego, mal chegou a Atenas, foi precisamente o aumento do IVA de 21 para 23%. Que “lógica” tem esta recusa intransigente em procurar recursos também do lado da receita e, simultaneamente, andar há semanas a agitar o papão do FMI? Quererá o PSD que sejam os estrangeiros a impor-nos algumas das medidas que se recusa agora a negociar? Com que intenção?
Creio que esta “dramatização” por parte do PSD visa também abrir algum espaço para a “mediação” de Cavaco Silva, que poderá, assim, surgir junto da opinião pública (em vésperas de certamente anunciar a sua recandidatura a Belém) com uma imagem de “pacificador”. Recordemos que o actual Presidente da República perdeu alguma da sua “aura” aos olhos de algum eleitorado mais conservador, com a promulgação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e despenalização do aborto, por ex., e o PSD não deixará de aproveitar este momento difícil para lhe dar “palco” a propósito da aprovação do Orçamento.
Resta, ainda, a Passos Coelho explicar de uma vez por todas como resolveria esta questão orçamental apenas pelo lado da despesa. Com efeito, o PSD e a sua liderança têm fugido a clarificar quais as medidas concretas que defendem nesse âmbito, preferindo “refugiar-se” atrás de vagas intenções e discursos inflamados. Onde cortaria valores tão significativos na despesa sem colocar em causa áreas vitais como a Saúde, a Educação, a Defesa, etc?
Em simultâneo vamos assistindo em vários fóruns a toda uma panóplia de economistas, gestores e ex-governantes próximos dos social-democratas, defendendo medidas como o corte de salários na Função Pública, por exemplo. Cabe agora a Passos Coelho esclarecer de vez se defende a aplicação desse tipo de medidas e qual a percentagem que acha razoável para cortar nos salários de muitos milhares de trabalhadores do Estado, muitos deles ganhando escassas centenas de euros, com sucessivos anos de carreiras e aumentos de vencimentos congelados, etc.
Será esse o factor de motivação para a “reforma do Estado” ou pensará o líder do PSD que as pessoas são meros números e que continuarão a dar o seu melhor…ganhando menos?! Ou (pior ainda) pretenderá alguém regressar a um tempo de má memória em que o “medo” de ser despedido era o factor “motivacional” número um?... Afinal não é também este PSD que pretende flexibilizar e facilitar ainda mais os despedimentos?... E, como canta o Sérgio Godinho, “isto anda tudo ligado”…
Obviamente que há ainda margem para cortes na despesa do Estado em mil e um desperdícios que podem (e devem) ser eliminados, incluindo o facto escandaloso da acumulação de várias (e significativas!) pensões de reforma, pagas pelo erário público, por parte de alguns altos quadros, ex-gestores públicos, ex-governantes, etc, sendo que alguns deles até se encontram entre os que agora surgem a defender, com a maior das tranquilidades, os tais cortes de salários na Função Pública… Como se diz em terras de Vera Cruz "o pão dos pobres quando cai é sempre com a manteiga para baixo"!...
Estejamos atentos às cenas dos próximos capítulos – sendo certo que Portugal e os Portugueses têm que estar acima de tudo e de todos os interesses político-partidários, muitos deles visando apenas a satisfação de alguns à custa dos sacrifícios de todos, sobretudo daqueles que vivem do seu trabalho e já pouco recebem no final de cada mês!